Judicialização da saúde Indícios de fraude ou "erro de fato"?

No início do corrente ano quando estava de férias (na linda serra gaúcha), assistindo ao Fantástico, eis que surgiu mais uma reportagem abordando sobre a aventada "máfia de branco", assunto que é palco de denúncias recorrentemente. Dessa vez a reportagem fazia menção às OPME´s, cujo tema, sem prejuízo de outras opiniões, abordo resumidamente no meu ponto de vista:

O assunto é antigo, mas ainda mais demorada será a sua solução, devendo-se separar em analise primária, os interesses públicos dos interesses da iniciativa privada, de modo que pelo que observei as denúncias não partiram das operadoras de planos de saúde, tampouco de suas entidades associativas, sequer houve manifestação da ANS. Logo o foco das denúncias sempre giram em torno de supostas fraudes praticadas contra o SUS, sob a alegação de que alguns médicos criam procedimentos, cobram por materiais não utilizados, realizam cirurgias desnecessárias, dentre outros eventos. Constatada referidas irregularidades, naturalmente que o assunto merece ter o acolhimento do MP, pois restaria prejudicada toda a coletividade.

Por outro lado, sendo de interesse estritamente privado, as ocorrências devem ser analisadas no campo das infrações éticas e criminais de caráter privado, a não ser que tenham os pacientes como vítimas, o que não acredito ser o caso.

O cerne da questão esta no fato dos médicos receberem ou não, comissionamentos das revendas de OPME´s. Não quero aqui mostrar-me mais inclinado do que devo ser em razão da classe que represento juridicamente, mas necessário se faz expor que a prática de comissionamentos por indicação de fornecedores, é muito comum em diversas outras atividades, logicamente que em se tratando de serviços médicos, cabe exclusivamente ao paciente o direito de escolha, mas quantos pacientes discordariam da indicação de seu médico? As indicações de seu médico lhes são benéficas ou prejudiciais? Tais questionamentos se fazem necessários, apenas para que o outro lado da relação seja analisado.

Em resumo acerca de OPME´s temos que analisar separadamente a conduta dos médicos e dos hospitais, interesse público do interesse de caráter estritamente privado, e infração ética de crime.

Outro assunto que vem sendo debatido e sendo palco de investigações e denúncias, são as chamadas “medidas liminares”, consequência da interminável judicialização da saúde, nesses casos com o intuito de que pacientes do SUS obtenham atendimento na rede privada, às expensas do Estado.

Acostumado com a confusão absurda (erro por desconhecimento dos fatos), que as autoridades fazem acerca de qualquer tema relacionado a questões jurídicas na área da saúde, logo pensei, eles vão misturar tudo e confundir os temas, dito e feito.

No mesmo mês de janeiro do corrente ano ao abrir o jornal como faço todo santo dia, eis que tenho apego ao saudosismo e não me desgrudo do jornal impresso, me deparei com uma matéria na capa do jornal de maior circulação local (Mato Grosso), cujo título abordava indícios de fraudes em medidas liminares. Na qualidade de advogado militante na seara da saúde, percebo nitidamente os atos "desesperados" das Secretarias de Saúde Municipais e Estadual, senão vejamos o histórico a seguir:

A razão de todo esse desespero foi a criação de jurisprudências pacíficas em nosso Estado, fruto da insistência de advogados e defensores públicos, que passaram a requerer e obter recursos previamente bloqueados na conta dos entes públicos, causando desequilíbrio na “brilhante” gestão que fazem com o dinheiro público destinado à saúde, contrariando segundo alegam, o princípio da "reserva do possível". 

Tive a oportunidade de participar e me manifestar em meados de 2014 de um debate no auditório do CRM, onde o referido assunto foi detentor de 90% da atenção de todos, naquela ocasião permito-me expor que senti a chamada “vergonha alheia”, haja vista o verdadeiro massacre argumentativo que secretários e procuradores lá presentes sofreram, justamente porque outra conclusão se mostra impossível, a não ser de que a culpa é exclusivamente da administração pública. Lembro-me que a defensoria pública, que representa cerca de 90% desses pacientes, mostrou-se intransigente no sentido de que não deixariam de mover as ações judiciais em prol dos pacientes abandonados pelo SUS.

E não foi só, meses depois a própria defensoria pública foi a rádio e a televisão local, colocando-se à disposição do povo para obter o direito de acesso à saúde, pois o caos esta instaurado em nosso Estado, talvez diante da brilhante e ilibada gestão do Governo anterior, pois minha percepção é de que a corrupção esteve corrente nas veias de alguns gestores.

Não obtendo a guarida junto aos médicos e defensores públicos, eis que a administração pública passou a chamar as instituições hospitalares e equipes de saúde multidisciplinares privadas, a fim de formalizarem contratos e estabelecerem parâmetros, especialmente quanto ao preço de custeio das medidas liminares, tive a oportunidade de participar de alguns debates quanto aos referidos parâmetros propostos, os quais se revestiam de absoluta disparidade, desproporção e desequilíbrio, tornando-se as referidas tentativas absolutamente inexitosas. 

Ainda em resumo histórico das ocorrências do ano passado, quando passaram a dar foco ao tema, já que alegam que em 2013 tiveram mais de 100 milhões em recursos oriundos das medidas liminares, algumas movimentações pelos gestores administrativos, foram realizadas ao TJMT, a fim de buscarem a guarida dos magistrados, para que esses evitassem os bloqueios.

À partir daí algumas decisões passaram a mudar o contexto e complicar ainda mais o cenário para as entidades privadas, especialmente aos hospitais, pois engana-se quem pensa (erro de fato), que as liminares são um bom negócio para os hospitais privados, já que impedem a rotatividade nos leitos e o recebimento dos valore mesmo com o bloqueio de valores demora até ou mais que um ano, descasando o capital de giro dos hospitais, que se obrigam a socorrer-se ao endividamento bancário, para suprir a ineficiência do SUS.

Na maioria absoluta dos casos, tratam-se de internações de altíssima complexidade clínica e de longa permanência, cujo custeio é absolutamente elevado, sem falar nos demais riscos que incorrem os entes privados, na medida em que torna vulnerável o agendamento de cirurgias e internações eletivas, bem como expõe toda a coletividade, diante da imprevisibilidade advinda dos pronto atendimentos, pois qualquer um de nós quando precisarmos podemos não ter uma vaga de UTI particular, eis que se encontram ocupadas por pacientes judiciais;

No final do ano passado, fora protocolizado pelos dois maiores Hospitais da cidade, junto ao TJMT, ofícios buscando expor a problemática, as confusões e a falta de padronizações das decisões judiciais, até mesmo a incoerência com recomendações do CNJ, e ainda contribuindo com sugestões, sem prejuízo de outras providencias que acompanhamos ter sido adotadas pelo Sindicato dos Hospitais junto ao TJMT, para nossa felicidade, tais ofícios foram recebidos e autuados como Pedido de Providências (172/2014), dada a relevância do tema e as questões que levamos aos autos.

Expõe-se isso para que os fatos não sejam erroneamente interpretados (erro de fato), como percebe-se que estão sendo, eis que não fossem os hospitais e equipes particulares de saúde, as providencias do judiciário e das defensorias, todos esses pacientes estariam a mercê exclusivamente do sucateado SUS.

Observo ainda que não se trata de uma faculdade dos hospitais internarem ou não esses pacientes, os mesmos são compelidos a fazê-las por determinações judiciais, sob pena de incorrerem em multas diárias pesadas, crime de desobediência, crime de omissão de socorro e até mesmo prisões prévias, devendo todos esses riscos e direitos preservados em nome dos hospitais.

Por fim mais uma vez destaco o maior “erro de fato” e até mesmo de direito, esta em ventilar generalizadamente a ocorrências de fraudes e superfaturamento de contas hospitalares, pois acusações fraudulentas devem ser evitadas e amparadas por fatos tais como a existência de pacientes fantasmas, direcionamento e seleção de pacientes, superfaturamento que contraria previsões legais, etc.

Ora, alguns hospitais são instituições absolutamente privadas, sem qualquer benefício fiscal, sem qualquer credenciamento de serviços com o SUS, portanto seus preços são e devem ser cobrados em regime particular, e ainda consideradas as peculiaridades inerentes aos casos das internações judiciais, tendo em vista os custos devido ao giro diferenciado e mais oneroso da engrenagem administrativa dos hospitais.

A noticia que circula é que nos últimos 2 (dois) anos, mais de 200 milhões saíram dos cofres públicos para o pagamento de medidas liminares, contudo informações comprovatórias, demonstram que os dois maiores hospitais privados do Estado, não faturaram mais que 20 milhões de reais, isso ainda somando os anos de 2013 e 2014, o que pode parece muito, mas por vezes não representa o faturamento de dois meses de apenas um deles, cabendo a administração pública e somente a esta, esclarecer para onde foi todo esse recurso, talvez em medicamentos de alto custo, hospitais fora do Estado ou ainda tratamentos internacionais quem sabe, a sociedade precisa de transparência absoluta desses valores.

Ademais, impossível se mostra a contratação prévia e a previsão exata de custos com pacientes de alta complexidade e longa permanência, eis que o tratamento varia facilmente de 05 dias para 05 meses facilmente.

Alex Sandro Rodrigues Cardoso é advogado especialista em direito médico, militante em causas diversas relacionadas à saúde.

Data: 24/03/2015

Fonte: http://midiajur.com.br/conteudo.php?sid=240&cid=18529&parent=240


Estratégia
Planejamento
Ações Concretas
Resultados!